Quando eu era pequeno, havia mais terrenos baldios, e menos canais de televisão. Mais cachorros vadios e menos carros na rua...
Havia até carroças na rua, em plena São Paulo. E carroceiros fazendo o pregão dos legumes. Havia mascates batendo de porta em porta – convenientes ou não.
E mendigos pedindo pão velho. Por que os mendigos não pedem mais pão velho?
O Velho do Saco assustava as crianças. O saco era de estopa, claro. Não havia uma enorme profusão de sacos plásticos – levávamos sacolas de palha para o supermercado.
E cascos vazios para trocar por garrafas cheias – não haviam garrafas descartáveis.
Refrigerante era caro. Só tomávamos no fim de semana, domingo, com a macarronada da vó, ou com sorte, sábado, quando pedíamos uma pizza. Pedíamos de vez em quanto, claro, pois haviam poucas pizzarias e era um evento social jantar nelas.
As latas de cerveja eram de lata mesmo, não eram de alumínio. Leite vinha num saco. Ou então o leiteiro entregava em casa, em garrafas de vidro.
Cozinhava-se com banha de porco, depois óleo em latas de ferro. Toda dona-de-casa tinha uma lata de banha debaixo da pia.
O barbeador era de metal, e a lâmina era trocada de vez em quando. Mas só a lâmina.
As camas tinham suporte para mosquiteiro.
As casas tinham quintais. Os quintais tinham sempre uma laranjeira, ou uma pereira, ou um pessegueiro e comíamos fruta no pé. Ou lutávamos para pegar o que caia no quintal do vizinho, que tinha um muro baixo, não era todo fechado, lacrado e com arame farpado.
Minha vó tinha fogão a lenha. E compotas caseiras abarrotando a despensa. E chimia de abóbora, e uvada, e pão de casa.
Meu pai tinha um amigo que fumava palheiro. Era comum fumar palheiro na cidade; tinha-se mais tempo para picar fumo. Fumo vinha em rolo e cheirava bem. Hoje o palheiro é usado para outro tipo de cigarro.
O café passava pelo coador de pano. As ruas cheiravam a café. Chaleira apitava. O que há com as chaleiras de hoje que não apitam?
As lojas de discos vendiam long plays e fitas K7. Supimpa era ter um três-em-um: toca-disco, toca-fita e rádio. Dizia-se ’supimpa’, que significa ‘bacana’. Pois é, dizia-se ‘bacana’, saca?
Os telefones tinham disco. Discava-se para alguém. Depois, punha-se o aparelho no gancho. Telefone tinha gancho. E fio. Celular só existia no seriado Jornada Nas Estrelas, ou no telefone sapato do Agente 86.
Se o seu filho estivesse no quarto dele e você no seu escritório, você dava um berro pra chamar o guri, em vez de mandar um e-mail ou um recado pelo MSN.
Estou falando de outro milênio, é verdade. Mas o século passado foi ontem! Isso tudo acontecia há apenas 20 ou 25 anos, não mais do que o espaço de uma geração.
Agora, cremos que a vida ficou muito melhor...
Tudo era mais demorado, mais difícil, mais trabalhoso.
Então por que engolimos o almoço?
Então por que estamos sempre atrasados?
Então por que ninguém mais bota cadeiras na calçada?
Alguém pode me explicar onde foi parar o tempo que ganhamos?
Marcelo Canellas
Havia até carroças na rua, em plena São Paulo. E carroceiros fazendo o pregão dos legumes. Havia mascates batendo de porta em porta – convenientes ou não.
E mendigos pedindo pão velho. Por que os mendigos não pedem mais pão velho?
O Velho do Saco assustava as crianças. O saco era de estopa, claro. Não havia uma enorme profusão de sacos plásticos – levávamos sacolas de palha para o supermercado.
E cascos vazios para trocar por garrafas cheias – não haviam garrafas descartáveis.
Refrigerante era caro. Só tomávamos no fim de semana, domingo, com a macarronada da vó, ou com sorte, sábado, quando pedíamos uma pizza. Pedíamos de vez em quanto, claro, pois haviam poucas pizzarias e era um evento social jantar nelas.
As latas de cerveja eram de lata mesmo, não eram de alumínio. Leite vinha num saco. Ou então o leiteiro entregava em casa, em garrafas de vidro.
Cozinhava-se com banha de porco, depois óleo em latas de ferro. Toda dona-de-casa tinha uma lata de banha debaixo da pia.
O barbeador era de metal, e a lâmina era trocada de vez em quando. Mas só a lâmina.
As camas tinham suporte para mosquiteiro.
As casas tinham quintais. Os quintais tinham sempre uma laranjeira, ou uma pereira, ou um pessegueiro e comíamos fruta no pé. Ou lutávamos para pegar o que caia no quintal do vizinho, que tinha um muro baixo, não era todo fechado, lacrado e com arame farpado.
Minha vó tinha fogão a lenha. E compotas caseiras abarrotando a despensa. E chimia de abóbora, e uvada, e pão de casa.
Meu pai tinha um amigo que fumava palheiro. Era comum fumar palheiro na cidade; tinha-se mais tempo para picar fumo. Fumo vinha em rolo e cheirava bem. Hoje o palheiro é usado para outro tipo de cigarro.
O café passava pelo coador de pano. As ruas cheiravam a café. Chaleira apitava. O que há com as chaleiras de hoje que não apitam?
As lojas de discos vendiam long plays e fitas K7. Supimpa era ter um três-em-um: toca-disco, toca-fita e rádio. Dizia-se ’supimpa’, que significa ‘bacana’. Pois é, dizia-se ‘bacana’, saca?
Os telefones tinham disco. Discava-se para alguém. Depois, punha-se o aparelho no gancho. Telefone tinha gancho. E fio. Celular só existia no seriado Jornada Nas Estrelas, ou no telefone sapato do Agente 86.
Se o seu filho estivesse no quarto dele e você no seu escritório, você dava um berro pra chamar o guri, em vez de mandar um e-mail ou um recado pelo MSN.
Estou falando de outro milênio, é verdade. Mas o século passado foi ontem! Isso tudo acontecia há apenas 20 ou 25 anos, não mais do que o espaço de uma geração.
Agora, cremos que a vida ficou muito melhor...
Tudo era mais demorado, mais difícil, mais trabalhoso.
Então por que engolimos o almoço?
Então por que estamos sempre atrasados?
Então por que ninguém mais bota cadeiras na calçada?
Alguém pode me explicar onde foi parar o tempo que ganhamos?
Marcelo Canellas
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