sábado, 23 de julho de 2016

Jefté sacrificou a própria filha?


Há uma pergunta que não pode ficar sem resposta, no estudo do Livro de Juízes: Jefté sacrificou realmente sua filha? Sendo que os eruditos estão divididos na questão, podemos somente expor o que cada lado tem a dizer sobre o assunto, e deixar que cada um julgue por si mesmo.

Alguns crêem que como os sacrifícios humanos eram proibidos pela lei (Lv. 18.21; 20.2-5) o sacrifício da filha de Jefté deve ser entendido como uma espécie de dedicação da jovem à virgindade perpétua (Jz. 11.36-40).
Outros dizem que Jefté realmente sacrificou sua filha, crendo conscientemente que estava obrigado a isso pelo juramento que fez (Jz. 11.31-39).
Encontramos a narrativa do voto de Jefté em Jz. 11.29-40. Ele foi o nono juiz do Israel, residente em Tob, um distrito da Síria, no ano 1100 a.C. aproximadamente. Jefté está mencionado na Carta aos Hebreus como um dos herois da fé (Hb.11.32). Ele foi um dedicado líder nas guerras contra os amonitas (descendentes de Ló) que moravam a leste do Rio Jordão. Homem de grande coragem e sempre disposto a defender os fracos e perdoar os errados, apesar de ser um filho ilegítimo de Gileade. Não nos parece ser aquele personagem afoito, como muitas vezes é considerado, capaz de fazer um voto temerário.
Chegamos a esta conclusão, porque mesmo antes de atacar os amonitas, ele esperou terminar primeiro as negociações de paz em tramitação.
O dilema em consideração é determinar, segundo os versos 11.29-31, a natureza de sacrifício que o seu voto envolveu: se realmente imolou a sua filha como holocausto ou se apenas tratou-se de outro tipo de sacrifício.
Consideremos, pois, antes de qualquer opinião, os seguintes seis pontos sobre o assunto em pauta.
Primeiro Ponto:
Eminentes eruditos opinam que o texto hebraico do verso 31, onde se lê nas traduções em português “o oferecerei em holocausto” deve ser lido “e oferecerei um holocausto”. Daí depreende-se que a intenção de Jefté era servir ao Senhor e honrá-lo com este voto.
Esta explicação, de fato, elimina a ideia de um ato horripilante do juiz de Israel de sacrificar a sua própria filha em nome de Jeová. Parece-nos muito viável esta opinião (Lv. 27.28). Além do mais, nos ‘targuns’ (interpretação em língua aramaica do Velho Testamento pelos próprios judeus), encontramos uma explicação cabível de Levítico 27.1-7, onde o Senhor prescreve o preço pelo qual, tanto varões como fêmeas que foram devotadas ao Senhor poderiam ser redimidos. O varão, de 20 a 60 anos, seria redimido por 50 ciclos de prata, e a fêmea por 30 ciclos. De 5 a 20 anos, o varão seria redimido por 20 ciclos e a fêmea por 10. Portanto, restava a Jefté este recurso: pagar uma soma relativamente modesta pelo resgate de sua filha. Tudo indica que ele não a imolou, mas simplesmente consagrou-se à virgindade perpétua.
Segundo Ponto:
Não podemos conceber que Jefté tivesse intenção de oferecer em holocausto qualquer coisa que de sua casa viesse ao seu encontro, pois poderia ser que lhe aparecessse um cão ou outro aninal imundo qualquer, o qual, de maneira nenhuma, segundo a lei mosaica e as tradições da época serviria como holocausto. Por certo Jefté teve outra coisa em mente quando fez seu voto.
Terceiro Ponto:
O sacrifício de crianças a Moloque – deus adorado pelos amonitas e combatido por Jefté – era terminantemente proibido ao povo de Israel e declarado abominação pelo Senhor (Lv. 20.2-3), e seria ainda maior o insulto se o juiz de Israel oferecesse a sua própria filha a Jeová.
Quarto Ponto:
Não encontramos na Bíblia precedente para tal oferta ao Senhor. Pelo contrário, os reis que promoviam a queima dos filhos a Moloque, eram duramente castigados por Deus. Manassés, por esse ato abominável, foi levado cativo a Babilônia, onde sofreu muito.
Quinto Ponto:
Nenhum pai tinha autoridade para matar seu filho, mesmo se este estivesse em falta. Muito menos podia um pai castigar, com morte, seu filho inocente, como foi o caso de Jefté (Dt. 21.18-21; 1Sm. 14.24-45).
Sexto Ponto:
O verso 39 que diz “seu pai… cumpriu nela [a filha] o seu voto que tinha votado; e ela não conheceu varão” expressa a ideia de queajovem foi devotada à vida celibatária. Consequentemente, a lamentação de suas companheiras não foi pela sua morte, mas por causa da sua virgindade perpétua (Jz. 11.38-40). No Velho Testamento, por certo, havia no Tabernáculo uma classe de mulheres que serviam no estilo dos ‘nazireus’ (Êx. 38.8) “que se ajuntavam à porta da tenda da consagração”. Faz-se também referência a tais mulheres em 1Sm. 2.22; Lc. 2.37. Talvez a filha de Jefté uniu-se a esse grupo de virgens.
Os eruditos no hebraico ainda apontam, fortalecendo essa ideia, o fato de que o vocábulo lethanoth, que foi vertido para o português por lamentar, realmente significa celebrar Portanto, as filhas de ISrael que anualmente ‘celebravam’ o fato, não o faziam com lamentações, mas sim com cânticos de louvor ao sacrifício da filha de Jefté.
Para a jovem o voto significou a impossibilidade de cumprir-se em sua vida o desejo natural de casar-se, pois toda mulher israelita sonhava em ser a mãe do Messias. Tal sonho, porém, para a filha de Jefté, jamais poderia tornar-se realidade. Entretanto, ela de bom grado e por amor aceitou esse destino.
Para o pai, significou o sacrifício de não ter posteridade desta filha, fato que no Oriente era considerado um desfortúnio muito grande. Os costumes da época davam muito mais autoridade aos pais sobre a vida dos filhos do que os costumes e as leis atuais.
Pelas razões aqui apresentadas, e em nossa opinião, o voto de Jefté resultou na virgindade perpétua de sua filha, e não na imolação da mesma, coisa que nos parece chocante demais. O texto de Juízes, examinado sob qualquer ponto de vista bíblico, também não comporta tal interpretação.
A bela lição a ser extraída desta história é que a filha de Jefté deixou um bonito exemplo de obediência filial, piedosa e patriótica. Submeteu-se de bom grado à virgindade perpétua, num tempo quando não ter filhos era considerado muito indesejável, e isso ela o fez por amor ao seu pai e à sua pátria, pois naquele momento estava em jogo tanto a segurança de seu genitor quanto de Israel. A vitória que resultou veio do Senhor, porque Jefté assim pôs tudo à disposição de Deus, incluindo a própria filha. E ela teve a sua participação e carregou com galhardia a sua “cruz” durante o resto da sua vida. Não vemos, portanto, nenhuma razão para acreditar que o pai a tivesse imolado

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